Márcia Zuckerberg: Saiba quem é a "cagona do 8 de janeiro"
O Facebook e sua cruzada contra a checagem de fatos, os dois anos da intentona bolsonarista, ataques aos povos indígenas e mais: 2025 chega arrombando a porta sem avisar, igual a PM do Tarcísio
Sextou, compadres e comadres! Antes de mais nada quero agradecer a todos que rapidamente assinaram essa singela newsletter. Valeu mesmo! S2 Fico até sem palavras. Esse primeiro número ficou enorme, mas vamos lá. Senta que lá vem história…
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Tal como a PM de Tarcísio de Freitas, 2025 chegou com violência, arrombando nossas portas sem avisar e aterrorizando aquelas pessoas que insistem em ler notícias. Nessas últimas semanas foram muitas coisas a chamar nossa atenção ao mesmo tempo, então vamos por partes.
Na última quarta-feira completamos 2 anos dos ataques bolsonaristas de 8 de janeiro de 2023 e, na véspera dessa tão aguardada data, descobrimos a identidade da senhora que foi filmada na ocasião ao defecar na cadeira do ‘Xandão’ em plena Suprema Corte. Trata-se de Márcia Zuckerberg, empresária do ramo tecnológico no interior de São Paulo e prima de militar da Marinha, que passou meses se radicalizando nos acampamentos de Brasília após as eleições.
Se não fosse óbvio o fato disso ser uma piada, se trocássemos a foto e o nome da “vilã”, pode apostar que haveria verossimilhança na narrativa e muita gente desavisada que recebesse tal notícia no WhatsApp, advinda de algum ente querido, seguramente acreditaria. Afinal de contas, quem não quer saber algo assim, e especialmente no caso de se encaixar em crenças pré existentes? Esse é o mecanismo, resumindo grosseiramente, pelo qual as fake news se disseminam.
E eis que na última terça-feira (7), Mark Zuckerberg, o CEO da Meta (que abrange Facebook, Instagram e ZapZap), anunciou sua cruzada contra as agências de checagem que atuam nas suas próprias redes antissociais. O fato em si foi amplamente divulgado e rapidamente vimos um discurso preguiçoso do tipo “o Facebook se alinhou com Trump”. Em algum momento os barões do Vale do Silício enganaram alguém?
No ensaio “A Ideologia Californiana”, lançado em 1995 (pode ser baixado grátis aqui), Richard Barbook e Andy Cameron já alertavam para os perigos do confuso ideário que se formava no Vale Silício. Leia a seguir trecho da introdução à versão brasileira, escrito por Leonardo Foletto, editor do Baixa Cultura.
“No ensaio, Barbrook e Cameron definiam a tal ideologia como uma improvável mescla das atitudes boêmias e antiautoritárias da contracultura da costa oeste dos EUA com o utopismo tecnológico e o liberalismo econômico. Dessa mistura hippie com yuppie nasceria o espírito das empresas .com do Vale do Silício, que passaram a alimentar a ideia de que todos podem ser “hip and rich” – para isso basta acreditar em seu trabalho e ter fé que as novas tecnologias de informação vão emancipar o ser humano ampliando a liberdade de cada um e reduzir o poder do estado burocrático (…) A explosão da bolha especulativa das empresas de internet no final dos 1990 poderia ter servido como um alerta sobre onde esse pensamento poderia levar o planeta, mas a sedução da ideologia californiana persistiu e se espalhou com a ajuda do Google, Facebook, Apple, Amazon e vários outros dos gigantes do Silício que hoje fazem parte da nossa vida cotidiana. A ideia de um mundo pós-industrial baseada na economia do conhecimento, em que a digitalização das informações impulsionaria o crescimento e a criação de riqueza ao diminuir as estruturas de poder mais antigas em prol de indivíduos conectados em comunidades digitais, prosperou. E hoje, queiramos ou não, predomina na nossa sociedade digital. Será então que, décadas depois, é possível dizer que a ideologia californiana venceu?”
O livro narra como essa ideologia conservadora solaparia os antigos cypherpunks e sua utopia igualitária por meio do uso da nova tecnologia. Mas me parece que para além das afinidades ideológicas entre Trump e Zuckerberg há outras coisas em jogo.
O primeiro aspecto a ser destacado é o treinamento das Inteligências Artificiais. O capitalismo é política e é business, em simbiose. E a isso servem as tecnologias por ele projetadas. Muitos perguntavam por que Elon Musk comprara o Twitter, se seria algo de certa forma deficitário. E a resposta está aí: no uso dos dados para o treinamento e desenvolvimento das IAs. Se o sociopata número 1 saiu na frente, com sua rede completamente desregulada, ampliando o leque de informações que suas IAs vão receber (incluindo preconceitos, ódio etc.), me parece lógico que os demais CEOciopatas sigam o caminho. O alinhamento com Trump, para Zuckerberg e cia., soa simplesmente como uma oportunidade de juntar o útil ao agradável. Enquanto isso, a desinformação come solta e enche cofres.
Mas há algo mais a se falar sobre as Big Techs e sua necessidade de seguir mentindo impunemente. E talvez isso inverta a lógica anterior: ou seja, talvez não sejam os CEOs do Silício quem se alinham a Trump, mas o contrário. Digo isso porque a amiga Letícia Oliveira (sigam ela no Bluesky), uma conhecida pesquisadora do tema, levantou a hipótese de que se esteja sendo desenhado algum tipo de queda dos Estados-Nação em prol da ascensão de uma CEOcracia encabeçada, em nível global, pelos donos dessas Big Techs. Alguns internautas a chamaram de conspiracionista, mas há sentido na sua preocupação.
O desenvolvimento e controle de técnicas sempre esteve vinculado a lógicas de disputa de poder em nível macro. A história humana gira em torno disso. Podemos ir até a Babilônia ou o Egito antigos, que se edificaram como impérios de sua época após dominarem a agricultura, a construção de fortalezas, entre outras tecnologias. Mais recentemente, a Terra testemunhou a corrida espacial durante a Guerra Fria, com a União Soviética lançando o primeiro satélite ao espaço e os Estados Unidos, em seguida, enviando homens à Lua. A internet, uma tecnologia militar, e seus subprodutos, não fogem dessa lógica. É impossível conceber a ideia de que foram projetados por técnicos isentos de projetos e interesses políticos.
Mackenzie Wark (sigam ela também), uma das principais pensadoras cypherpunks, vem falando há 25 anos sobre a ascensão da "classe vetorialista", que viria a subverter até mesmo a burguesia financeira em certa medida. Seu livro "O capital está morto" foi lançado no Brasil pela Sobinfluencia e Funilaria.
Essa classe vetorialista não seriam apenas Elon Musk e Mark Zuckerberg, mas toda uma cadeia corporativa, logística e tecnológica que, dado seu domínio da técnica, monopolizaria a produção e abastecimento em diversas áreas essenciais para a vida humana: de alimentação a computadores. Ela coloca no bolo empresas como Nike e Wallmart e aponta que “enquanto os entusiastas tecno-utópicos ainda celebram estas inovações bradando serem melhorias do capitalismo, para os trabalhadores - e para o planeta - elas são terríveis”. Segundo sua tese, essa nova classe dominante seria marcada pelo uso dos poderes da informação para burlar qualquer obstáculo levantado pelos movimentos trabalhistas e sociais.
Essa CEOcracia não é uma opção fatalista, mas não dá para desconsiderar o potencial dessa turma em tomar o poder de fato, para além do alcance das suas empresas. Já vivemos, e no Norte global é pior, em sociedades altamente dependentes dessas redes corporativas como Wark descreveu.
Outro pensador que olhou para essa dependência que nossas sociedades estão contraindo dessa classe vetorialista foi Carlos Taibo, cientista político espanhol, anarquista e decrescentista. Em seu livro “Colapso - capitalismo terminal, transição ecossocial e ecofascismo” (lançado no Brasil pela Editora UFPR) ele aponta como a crise energética e ambiental podem moldar o mundo, fazendo a atual sociedade colapsar. E dado o andar da carruagem, podem apostar que a prioridade para consumo energético será para as IAs de Zuckerberg e Musk, não para o pronto-socorro do bairro.
Taibo vai apontar que uma das nossas tarefas, de cara ao futuro, na luta contra o colapso climático e o acirramento da plutocracia (que agora pode ter um adendo da chamada classe vetorialista), é descomplexificar nossas sociedades. Ou seja, torná-las, aos poucos, menos dependentes dessas grandes redes de logística e tecnologia. Tanto em termos práticos, de produção e consumo, como o de libertar nossa própria sociabilidade da dependência dessas cadeias corporativas. Não se trata de um “retorno ao passado”, uma “regressão tecnológica” ou algo do tipo. Mas de termos mais recursos próprios e menos mediações.
Sobre como realizar essa tarefa, eu acredito na necessidade de se fortalecer laços comunitários antes de mais nada - e nisso estamos a frente dos países ricos. Não tem uma resposta pronta. A segurança que oferecem não é segura, teremos que nos arriscar coletivamente nessa jornada.
Leia: Green New Deal, decrescimento e exterminismo: notas para depois de Trump
Enfim, os dois anos do 8 de janeiro
Como todos sabemos, nessa semana foram completos dois anos dos ataques bolsonaristas às sedes dos poderes em Brasília e vocês devem ter lido, conversado, relembrado e assistido a vídeos a esse respeito. Todos sabemos o que aconteceu, os desdobramentos e que Bolsonaro e uma porrada de militares podem ser presos por isso. Por aqui, eu gostaria apenas de resgatar uma entrevista que fiz com o filósofo Douglas Rodrigues Barros, publicada em dezembro de 2022, e indicá-la como uma leitura sobre o assunto. Talvez seja algo diferente do que estamos encontrando por aí e valha a reflexão, sobretudo em torno do que interessa ao campo popular, que é a captura dos afetos revolucionários pelo fascismo.
“Os membros da extrema direita no Brasil acreditam que estão em processo revolucionário e é para isso que temos que dar atenção. Agem como uma espécie de duplo poder, mantendo um pé dentro da institucionalidade e outro fora, justamente para provocar a agitação e a ameaça contínua ao processo institucional”, sintetizou o jovem filósofo semanas antes dos ataques de 8 de janeiro.
Douglas constatava o caráter internacional deste fenômeno, que no Brasil se reflete numa esquerda que nunca entendeu o caráter destituinte das manifestações de junho de 2013, por exemplo. Mas para além deste contexto brasileiro, esquerda alguma do mundo se apresentou como portadora de uma nova mensagem e seguimos a nutrir esperanças de contenção da barbárie por dentro de uma institucionalidade que sempre a produziu.
“É um fenômeno global diante das transformações do capital, e parte da crise de 2008. Nesse sentido, é importante também ressaltar que temos um imaginário neoliberal ainda em pleno vigor ao mesmo tempo em que a política econômica neoliberal entrou em falência. Então há o imaginário ainda do individualismo radical, do empreendedorismo como algo atado à natureza humana, mas ao mesmo tempo você já não tem mais as formas sociais possíveis que dão vazão para a finalidade que esse imaginário constrói. Nesse campo o que se abre é uma guerra de todos contra todos em que a extrema direita nasce e nada de braçada”, explicou.
“A coisa se tende a se aprofundar e sejamos francos: tivemos um grande golpe de sorte pela liderança da extrema-direita ser totalmente inábil e ignorante a respeito dos processos políticos. Uma liderança que se forjou mas que teve uma grande inabilidade política de orquestração da governamentalidade e não deu respostas efetivas, por exemplo, à crise sanitária, ao desemprego ou à fome. Levando isso em consideração, acredito que o que está em gestação pelas novas dinâmicas das lutas empregadas pela extrema-direita no Brasil é a tentativa de uma construção de uma nova liderança”
As saídas não são nada fáceis de encontrar e não poderão ser oferecidas por direções políticas ocupadas com a administração pública. É um processo amplo que exige a absorção de outros imaginários de mundo, onde entra a contribuição de movimentos disfuncionais à reprodução histórica do Capital: indígenas, negros e LGBTQIA+. Mas como o capitalismo e sua atual forma neoliberal são uma ditadura de classe, uma plutocracia, é preciso descobrir formas de atuação que aliem esses outros modos de ser/estar no mundo à ainda vigente luta de classes. Pois, como afirma Douglas Rodrigues de Barros na entrevista, “os capitalistas jamais perderam de vista seu caráter de classe”.
CLIQUE AQUI e leia na íntegra.
Outros destaques
Obtive documentos acerca da prestação de contas da campanha do Ricardo Nunes e descobri algumas inconsistências que acabaram passando batido na Justiça Eleitoral no ato de aprovação das contas. Contei tudo na Revista Fórum. Clique aqui e leia na íntegra!
Comunidades Avá-Guarani são atacadas pelo agronegócio entre o Natal e o Ano Novo
Desde o dia 29 de dezembro, a comunidade Yvy Okaju, que abriga indígenas Avá-Guarani, localizada no Tekoha Guasu-Guavira, em Guaíra (Oeste do Paraná), vem sofrendo com invasões de pistoleiros a mando do agronegócio local. O território faz parte duma retomada ancestral iniciada na virada de 2023 para 2024 e vem sendo atacado desde então.
Sobre os ataques anteriores, publiquei duas matérias expondo toda a barbárie a que os indígenas são submetidos:
Avá-Guarani: Justiça do Paraná se une ao agronegócio e proíbe doações de alimentos a indígenas - Revista Fórum (24/7/2024)
Brasil: Territorio indígena III – Hambre, fuego y tiros contra los Avá-Guarani de la Tekoha Guasu Guavirá - Desinformemonos (05/09/2024)
Já sobre os ataques recentes, recomendo a leitura dessa NOTA CONJUNTA assinada pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), a Comissão Guarani Yvyrupa (CGY), a Articulação dos Povos Indígenas do Sul do Brasil (Arpin Sul), a Articulação dos Povos Indígenas do Sudeste (Arpin Sudeste) e o Conselho Indigenista Missionário (Cimi). Segue um techo:
Neste período, todas as noites, homens armados invadiram a comunidade Yvy Okaju (antigo Y’Hovy), na Terra Indígena (TI) Tekoha Guasu Guavirá, queimaram barracos, dispararam com pistolas, espingardas e rifles e lançaram bombas contra os indígenas, que estão aguardando pela conclusão da demarcação de suas terras. Várias pessoas ficaram feridas, inclusive crianças, vítimas do tiroteio. Muitas delas buscaram socorro em hospitais, onde acabaram sendo mal atendidas. Aqueles que foram feridos por armas de fogo continuam com as balas nos corpos.
O ataque mais recente ocorreu na noite do dia 3 de janeiro e deixou quatro Avá-Guarani feridos por tiros. Na ocasião, uma criança de 4 anos foi atingida na perna, um jovem foi alvejado nas costas, outro indígena também foi ferido na perna e um quarto Avá-Guarani foi atingido no maxilar por um disparo efetuado com munição de grosso calibre. As imagens dos indígenas feridos são chocantes e estarrecedoras: indicam a ausência de pudor dos agressores e sinalizam para um desfecho trágico, se os órgãos competentes não tomarem medidas urgentes.
O governo do estado do Paraná, por meio de falas preconceituosas e ofensivas de seu governador, tem incitado e alimentando o ódio e a violência contra os Avá-Guarani. Os ataques são perpetrados por pistoleiros mascarados e armados, que formam verdadeiras milícias paramilitares a serviço dos interesses do agronegócio da região e que atuam com absoluta impunidade, ameaçando e anunciando morte aos Avá-Guarani em áudios que circulam em redes sociais. A comunidade indígena e a Polícia Federal já encontraram no local cápsulas de projéteis e balas não deflagradas, o que evidencia a intenção de matar.
A Força Nacional, que foi enviada à região por meio da Portaria Nº 812, do Ministério da Justiça, para atuar e conter a violência, age, ao que parece, como se nada estivesse ocorrendo. Ao ser permanentemente acionada pela comunidade ou inclusive por instâncias do governo federal, relativiza as denúncias e chega sempre atrasada, depois que os indígenas já foram agredidos. Essa postura não aparenta ser um acaso e já aconteceu durante os graves ataques que esta mesma comunidade sofreu entre os meses de julho e setembro de 2024.
Recomendo, ainda, a leitura dessas ótimas reportagens:
“O branco matou a mamãe”: ataques a indígenas Avá-Guarani vitimizam até crianças no PR - Por Leandro Barbosa, na Agência Pública
“Nós não teríamos coragem de fazer isso com uma criança dos brancos. É uma verdadeira covardia”, afirmou uma liderança indígena que preferiu não se identificar por falta de segurança. “Já falamos para as autoridades, mais de uma vez, que a nossa situação é uma verdadeira calamidade. Parece que ninguém vai conseguir fazer nada por nós”, desabafa. No ataque do dia 3, um adolescente de 14 anos e dois jovens, de 25 e 28 anos, também ficaram feridos – os mais velhos passaram por cirurgia e seguem hospitalizados. Ninguém foi preso ou responsabilizado pela violência até o momento [trecho da reportagem]
Indígenas baleados no PR seguem internados, os Ava Guarani cobram MPI e Justiça determina mais policiamento na região - Por Gabriela Moncau, no Brasil de Fato
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